Leão, BB, Bayer: empresas centenárias contam como sobreviver a duas pandemias

Fabrica Leão Junior

Uma pandemia surgiu quase que sorrateiramente ao mesmo tempo em que quase o mundo inteiro enfrentava crises sem precedentes — tanto civil quanto econômica.

Para tentar frear o vírus, foram fechadas escolas e comércios, instauradas quarentenas, e as pessoas passaram a ser instruídas a usarem máscaras cirúrgicas a fim de conter a contaminação. No Brasil, morreram 35 mil pessoas. No mundo todo, 50 milhões.

O parágrafo acima fala sobre uma pandemia que aconteceu há mais de cem anos, a da gripe espanhola, mas que tem semelhanças gritantes com a que o mundo vive atualmente, da Covid-19.

No Brasil, a “mãe das pandemias”, como é chamada a gripe espanhola, afetou principalmente o Rio de Janeiro —e apenas aprofundou os problemas econômicos a nível mundial, visto que boa parte dos países ainda travava o que mais tarde viria a ser conhecida como a Primeira Guerra Mundial.

É difícil mensurar, exatamente, qual foi o impacto econômico real da gripe espanhola, porque não havia tantos índices e monitoramentos naquela época.

Em uma pesquisa chamada “Efeitos econômicos da pandemia de influenza de 1918”, realizada em 2008, o economista Thomas Garrett usou jornais e notícias que eram publicadas no período para tentar entender melhor os impactos que a doença teve na economia, ao menos nos Estados Unidos.

O que Garrett concluiu foi que os efeitos foram duros. Uma reportagem do jornal “Arkansas Gazette”, em outubro de 1918, afirmou que a venda em supermercados havia caído 30%, enquanto a de lojas de departamento passava por uma queda de 40% a 70%. Sem a internet para vender seus produtos, as empresas não tinham outra opção a não ser fechar as portas, o que custou caro. 

Mas não foi só nos Estados Unidos que a pandemia trouxe impactos severos. Segundo os pesquisadores Robert J. Barro, José F. Ursúa e Joanna Weng, a gripe espanhola reduziu o PIB per capita de todos os países em cerca de 6% entre os anos de 1918 e 1921. 

Em São Paulo, para lidar com os sintomas, foi inventada uma “medicação” caseira, que misturava mel, cachaça e limão —daí nasceu a caipirinha, segundo o Instituto Brasileiro da Cachaça.

Além do fato curioso, os hospitais brasileiros —já naquela época— sofreram com lotações, enquanto os bondes ficavam vazios. Lotadas estavam as farmácias, e existem relatos de que as pessoas se estapeavam para conseguir o remédio ou tônico receitado como suposta cura da doença. 

A produção agrícola já era uma das atividades mais importantes do país naquela época e, com a pandemia, caiu significativamente. A produção per capita de café caiu 21%, a de arroz, 47%, e a de milho, 25%, segundo uma pesquisa feita por Nidhiya Menon e Amanda Guimbeau. 

No estudo “O Coronavírus e a Grande Pandemia de Influenza: Lições da ‘Gripe Espanhola’ para os Efeitos Potenciais do Coronavírus na Mortalidade e Atividade Econômica”, os pesquisadores apontam que, com o  declínio da atividade econômica e a inflação elevada, aconteceram grandes quedas nos retornos reais das ações e dos títulos dos governos a curto prazo. Países com taxa média de mortalidade de 2% viram o retorno real das ações cair 26%. Nos Estados Unidos, a queda foi de 7%.


Mulher usando máscara de gripe durante a epidemia de gripe que se seguiu à Primeira Guerra Mundial, em 27 de fevereiro de 1919
Crédito: Topical Press Agency / Hulton Archive / Getty Images

Outra pesquisa mostra que, mesmo após mais de 100 anos, os municípios paulistas com maior exposição ao vírus de 1918 ainda estão defasados em saúde, educação, emprego e renda, e que ainda existe um obstáculo significativo de longa duração ao desenvolvimento nessas áreas. 

Para entender melhor como a pandemia de 1918 afetou os negócios brasileiros e como, em 2021, o cenário tem se desenvolvido, o CNN Brasil Business ouviu algumas das empresas centenárias que são brasileiras ou têm operação no Brasil. 

O que a Gripe Espanhola causou

Soldados afetados pela gripe espanhola em hospital no Kansas, EUA
Soldados afetados pela gripe espanhola em hospital no estado do Kansas, Estados Unidos, em 1918

A Leão Alimentos e Bebidas, fundada em 1901, original de Curitiba, foi uma das empresas afetadas pela gripe espanhola.

“Nosso município não foi tão afetado à época, foram menos de 400 mortos. Mas, como companhia, nós sofremos. A presidente da empresa perdeu uma das filhas para a doença naquele ano”, conta Dirk Schneider, CEO da Leão Alimentos e Bebidas. “O que descobrimos, voltando um século, foi que já aplicávamos alguns protocolos de saúde, como o uso de máscaras, a proibição de aglomerações e reuniões —tudo para evitar a contaminação”, diz. 

Para Fabiano Rangel, de Desenvolvimento Organizacional e Institucional da Leão Alimentos e Bebidas, no sentido pragmático, não existem diferenças tão grandes entre os procolos adotados em ambas as pandemias.

“O que muda muito, de forma bastante significativa, é a nossa capacidade de informação e comunicação. O que era impensável naquela época, como trabalho remoto, tornou-se realidade com a pandemia da Covid-19”, afirma. “O trabalho também era mais braçal, industrial, e isso afetou a indústria”, conta. 

Rangel entende que pensar na pandemia de 1918 faz com que a companhia “repense totalmente o que está sendo feito com as oportunidades de evolução que possuem hoje em dia”. “Ao longo do tempo, as fábricas já foram mudando e se tornando mais tecnológicas, e isso continuará a acontecer”, diz. 

Banco do Brasil, que durante a Gripe Espanhola já tinha 110 anos de existência, afirma que, apesar da doença e de outros acontecimentos, como as guerras, teve um “notável aumento no balanço das suas agências e o maior lucro líquido desde 1906”.

O motivo, segundo o livro “História do Banco do Brasil”, de Cláudio Pacheco, foi que nenhuma nova agência do banco foi aberta durante a epidemia, e a pausa que o banco realizou de instalações de algumas já criadas. Pela Gripe Espanhola, o BB perdeu dois funcionários. 

Um novo século, um novo problema

Movimentação no comércio na cidade de Santo André (SP) durante pandemia da Covid
Movimentação no comércio na cidade de Santo André (SP) durante pandemia da Covid-19

Em 2021, a Leão completou 120 anos e o ciclo de duas pandemias — além de duas guerras mundiais. Quando a pandemia da Covid-19 começou, segundo a empresa, alguns funcionários foram colocados em regime de home office. Com o tempo, alguns voltaram, mas seguindo os mesmos protocolos de saúde empregados em 1918. 

Mas, para o CEO, 2020 foi diferente. Com a internet, a possibilidade de trabalhar de casa, entre outras facilidades, o que aconteceu foi uma mudança total e forçada da forma de trabalho. 

“O ano passado foi um ano de grande transformação”, afirma Schneider. “Os protocolos adotados ajudaram muito no sentido da cultura da empresa, que quer gerar segurança no alimento, e isso está internalizado em nosso DNA. As pessoas se adaptaram aos novos protocolos sanitários”, diz. 

Para realizar a volta gradual das pessoas para o escritório, a Leão adotou o uso de aplicativos que realizam check-ins dos funcionários, com o objetivo de saber o grau de ocupação dos espaços. “O escritório não precisa mais ficar cheio, ele vai ser um espaço de encontro. Para isso, você precisa da tecnologia”, afirma Rangel. 

O evento de 120 anos da Leão, por exemplo, também foi realizado de forma 100% digital. Todas as reuniões migraram para o virtual no ano passado —sem previsão de volta. “Estamos tentando deixar as pessoas seguras, mantendo a produtividade”, diz Rangel.

Schneider conta que as pandemias dificultam o processo de saber o destino de uma empresa. “Estamos em uma montanha-russa e, a cada curva, vamos ter uma surpresa. Temos que nos preparar para o plano A, B e C, e nos anteciparmos para muitas decisões que teríamos resistência em outra situação”, afirma. 

O mesmo aconteceu com a alemã Bayer, que colocou os funcionários em home office quando a pandemia começou. Neste ano, a empresa anunciou um novo modelo de trabalho, que passará a vigorar no pós-pandemia, chamado de BayFlex.

“Esse modelo oferece aos colaboradores a possibilidade de trabalharem a partir do escritório da Bayer ou fora dele (dentro do território nacional), nos dias em que não for necessária a presença física no escritório, sempre priorizando as necessidades do negócio”, afirma Marc Reichardt, presidente do Grupo Bayer no Brasil.

O objetivo do modelo, segundo a Bayer, “é alavancar ainda mais nossos negócios, proporcionando e promovendo flexibilidade, bem-estar, inclusão, segurança, inovação e diversidade de uma forma equilibrada e sustentável”.

Já no Banco do Brasil, os funcionários que integram o grupo de risco da Covid-19 foram colocados em isolamento social. “Apesar da pandemia e do acréscimo dos números, entendemos que o gerenciamento epidemiológico, com busca ativa de casos e isolamento de contactantes, bem como a adoção das medidas descritas nos itens acima, faz o Banco do Brasil reiterar seu compromisso em zelar pela saúde e segurança dos funcionários e clientes nesse momento de incertezas, além de, considerando o caráter de essencialidade da atividade bancária, manter seu atendimento a clientes e à população em nível de excelência”, diz a empresa. 

A dica das centenárias

Mudar e se adaptar. Essa é a principal dica que as empresas com mais de 100 anos têm a oferecer para companhias mais jovens. 

Para fazer ambas as coisas, Reichardt, da Bayer, entende que os líderes precisam ter uma escuta cada vez mais ativa.

“Investir tempo para ouvir o que a sociedade, os clientes e as equipes têm a dizer, entendendo as expectativas de cada um, contribuindo para uma mudança cultural mais assertiva. Isso se faz necessário porque somos constantemente impactados por contextos históricos”, diz. “Outro fator essencial é explorar o conceito de colaboração para enfrentarmos os desafios do nosso tempo. Se agentes isolados não têm força para encontrar soluções cada vez mais inovadoras e sustentáveis para resolver os problemas atuais, podemos e devemos nos unir a outras empresas, instituições, startups e organizações. Temos que ampliar as fontes de boas ideias”, afirma. 

Schneider, da Leão, entende que é importante apostar no que o consumidor quer — tendo como base o foco e a criatividade. “É preciso trazer uma experiência melhor para o cliente, essa exigência só vai crescer. E depende da nossa competência de se adaptar a isso”, diz. Para ele, o apetite por inovação deve aumentar ainda mais nas próximas décadas. O conselho de Schneider, então, é simples. “Tente se beneficiar das revoluções que acontecem no mundo todo”, diz. 

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